segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Histórias do Carnaval

O carnaval de Oeiras é recheado de histórias interessantes que merecem ser divulgadas. A crônica abaixo, escrita por Ferrer Feitas e publicada em fevereiro/92, é uma amostra dessas histórias. Delicie-se com ela e aguarde novas narrativas. E quem tiver algo escrito ou conheça algum texto sobre o assunto, é só enviar para jogaobarro@gmail.com e nós o publicaremos.     

 

Carnavais e um Eurico que nunca foi presbítero

(Ferrer Freitas)

                Os carnavais das cidades históricas são os mais animados de quantos se realizam. Os exemplos estão aí para confirmar a assertiva: Olinda, Salvador, Ouro Preto e, naturalmente, o Rio de Janeiro. O elemento negro é fator preponderante.

Nos anos quarenta e cinquenta Oeiras teve carnavais de muito entusiasmo. Havia corso, entrudo e blocos de rua acompanhados por músicos das bandas Santa Cecília e “Jazz” Arrebenta Rochedo. A primeira, da Prefeitura, era formada por correligionários do coronel Orlando, do partido então no poder. Já a segunda, como não poderia deixar de ser, constituía-se de músicos simpatizantes de Rocha Neto (Rochinha), principal adversário do Prefeito. Na velha cidade é assim, a política divide até bandas de música.

Dos blocos da sociedade local, os que mais se destacavam eram Cavadoras da Folia, preferido pelos músicos da Santa Cecília (Joaquim Copeiro, Francisco Barros, Santo Polidório, José da Guia), e As Invictas, que tinha na outra banda (João e Luís Burane, Benedito Feitosa, Zecamorim, Davino, Aldemar e Levi Carmo) o apoio musical.

                Em meio a tudo pontificava de forma arrebatada o maior carnavalesco de que se tem notícia na história dos carnavais de Oeiras: Eurico César Rêgo, homem de sociedade, querido de todos. O seu coração balançava entre os dois blocos. As moças do Cavadoras (Rosa e Ana Carvalho, Salete e Julica Mendes, entre outras) cumulavam Eurico de atenções. As do outro bloco (Natércia Rocha, Anita Siqueira, Anatália, Hildete e Lair Sá) invocavam para tê-lo ao lado sua condição de membro de família ligada ao partido de seu Rochinha. Pobre Eurico. Não dormia só de pensar em situações beligerantes incontornáveis que pudessem levar os blocos a não desfilar pelas ruas e praças de Oeiras, com entradas nas residências para uma bebidinha servida pelo dono da casa, com especial prazer.

                Todo ano era a mesma coisa: os dois blocos ensaiando e confeccionando as fantasias, à socapa, e Eurico pelo meio acompanhando tudo. Nenhum lado duvidava de sua lealdade. Ele se deleitava vendo a azáfama das moças, procurando esmerar-se em adereços para as fantasias. Folião de raça o Eurico, enquanto pôde.

                No carnaval de 1942 deu-se um incidente lembrado até hoje pelos foliões da época. Alguém de As Invictas desconfiou que o coração de Eurico batia mais forte pelo outro bloco. Foi um deus-nos-acuda. Defenestraram o pobre folião, acusando-o de quinta-coluna, fingido e mais não disseram para não o melindrar tanto. A sua fantasia de Pierrô daquele carnaval seria a marca de tristeza. Por si só falava.

                Naquele ano, em plena segunda grande guerra, a marchinha mais cantada, intitulada “Cabelinho na testa”, procurava ridicularizar um ditador, Hitler, e exaltar outro, Getúlio Vargas: “Quem é que tem o cabelinho na testa, e um bigodinho que parece mosca, só cumprimento levantando o braço, ê... ê... ê... ê... ê..., palhaço! Quem tem um “V”, que representa a glória, quem tem um “G”, que ficará na história, com seu sorriso que nos dá prazer, ê... ê... ê... ê... ê... Gegê!”

                Pois bem. Alguém de verve aguçada, e Oeiras tem muitos, resolveu parodiar a letra da marchinha aproveitando o arrufo entre os blocos criado por Eurico, menos por ser intrigante e mais pelo seu amor desvairado pelo carnaval, que o peso dos anos arrefeceu mas não acabou: ”Quem foi aquele que no carnaval, trocou o Jazz pela Santa Cecília, pulando alegre que nem tico-tico, ê... ê... ê... ê... ê... Eurico! Acrescentou que fossem pro inferno, Levi, Burane e Benedito Feitosa, cantando alegre vocês vão que eu fico, ê... ê... ê... ê... ê... Eurico!”   

Nenhum comentário: